Estrasburgo/Lisboa, 12 de Março de 2014 – Ontem o Parlamento Europeu (PE) deu o golpe final para enterrar politicamente a proposta da Comissão Europeia (CE) para um regulamento europeu para produção e distribuição de sementes de cultivo. A proposta de Bruxelas foi rejeitada em plenário com uma esmagadora maioria: 650 votos contra, 15 a favor e 13 abstenções, por terem sido identificadas deficiências na avaliação de impacto e a criação de encargos administrativos desnecessários para os Estados-membros e os agricultores. As organizações da sociedade civil europeia que lutam há três anos para travar as intenções da CE e da indústria da semente de trazer as sementes e plantas tradicionais para dentro de um quadro legislativo severo pensado para sementes comerciais, celebram agora uma vitória merecida.
Em 2008, a Comissão Europeia iniciou um processo que apelidou de “harmonização” e “simplificação” das várias directivas europeias sobre sementes e plantas (até 2008 existiam 12 directivas diferentes, deste então saíram mais três). Mas à medida que saíram as pré-propostas para uma legislação das sementes, ficou claro que essa beneficiaria sobretudo as grandes empresas produtoras de sementes, que hoje são as mesmas que fornecem os agro-químicos e também as sementes transgénicas. Sob forte lóbi das multinacionais da semente, a nova legislação iria incidir sobre as sementes e plantas tradicionais / regionais, que até agora tinham sido deixadas livres e que representam globalmente cerca de três quartos de todas as sementes utilizadas. De forma inédita, os agricultores e horticultores estariam inibidos de utilizar as suas próprias sementes, a menos que as registassem nos Catálogos de Variedades de Plantas e obedecessem em grande parte aos mesmos critérios que a indústria da semente.
O protesto de vários anos das organizações do ambiente, da preservação da agro-biodiversidade e dos agricultores pequenos, acabou por ser ouvido pelos eurodeputados que consideraram que a proposta para Lei das Sementes não estaria a cumprir os seus objectivos de simplificação nem de protecção da biodiversidade, bem pelo contrário. Também daria demasiado poder à CE, deixando nenhum espaço de manobra para que Estados-membros pudessem adaptar a Lei às suas necessidades.
A Comissão Europeia entretanto já deixou saber que não retira a sua proposta, que agora segue para o Conselho de Ministros. No entanto, perante uma oposição quase unânime contra a Lei das Sementes, é esperado que os Ministros acatem a resolução do PE.
A notícia vem numa altura em que a Campanha pelas Sementes Livres, a expressão portuguesa da luta pelas sementes tradicionais, vê o seu trabalho reconhecido com um prémio ambiental. Mas a sua luta e a de muitas dezenas de organizações na Europa e no mundo ainda não acabou: Mantêm-se as novas directivas europeias, passadas desde 2008, que já restringem as actividades de preservação de sementes e que em França por exemplo levam a multas de vários centenas de Euros para venda de sementes “não registadas”. Os tratados internacionais, como UPOV e ITPGFRA, também continuam a ameaçar os direitos dos agricultores, limitando as suas escolhas. E a Europa continua a conceder patentes sobre a vida, apesar da Convenção Europeia das patentes o proibir. Hoje em Munique foi entregueuma nova oposição contra uma patente europeia sobre um brócolo, concedida ao gigante Monsanto. A ONGA portuguesa GAIA também assina esta oposição jurídica que vem no seguimento da oposição ao pimento entregue em Fevereiro, e foi acompanhada de uma petição de perto de 40.000 assinaturas a apoiar o fim às patentes sobre a vida.
Mais informações
Lanka Horstink, Coordenadora da Campanha pelas Sementes Livres, sementeslivres@gaia.org.pt, +351 910 631 664
A Campanha pelas Sementes Livres é coordenada por GAIA em parceria com Campo Aberto, MPI, Quercus e a Plataforma Transgénicos Fora, e ainda apoiada por várias dezenas de associações e produtores agrícolas. Ver a composição dos subscritores.
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